Ponto de vista

Opinião da Crítica Independente (Parte 2)

Entrevista com Cléber Eduardo, Leonardo Mecchi, Eduardo Valente

O foco desta segunda parte é a produção cinematográfica brasileira contemporânea. Os críticos dão sua opinião sobre a qualidade dos filmes, discutem a questão do público e fazem um balanço dos melhores longas do período.

Produção pós-Embrafilme

Leonardo Mecchi: Desde 1997, eu diria que há umas duas ou três gerações de diretores trabalhando nisso que é chamado de “retomada”. Houve, sem dúvida, uma efervescência de surgimento de novos diretores, mesmo porque se privilegiou isso com editais de baixo orçamento entre outras iniciativas. De 30 diretores estreantes, acho que uns cinco chegam ao segundo longa-metragem. Isso diz muito do meio de produção que está constituído aqui no Brasil. A nossa produção é muito diversa, temos de tudo, desde subprodutos de televisão, até filmes que circulam muito por festivais internacionais, como os do Beto Brant, Karin Aïnouz. Gostando ou não dos filmes deles qualquer um reconhece que ali há uma linguagem sendo desenvolvida. Na década de 80, havia cineastas muito fortes querendo produzir naquele contexto e hoje há mais espaço para isso. Os mesmos cineastas que fazem filmes vistos por cinco milhões de pessoas poderiam estar sendo vistos em televisão.

Eduardo Valente: Eu acho que há uma problemática muito ampla. Hoje, se você olhar para a produção brasileira, é evidente que estamos muito melhor do que em 1994. A geração que surgiu entre 80 e 90 de cineastas foi abortada, não conseguiu realizar muitos projetos. Hoje, há mais possibilidades de um jovem cineasta produzir do que anteriormente. Em um contexto histórico recente, nós evoluímos. A questão é analisar como e para onde estamos indo. Em termos de média de produção o Brasil não está muito diferente do resto do mundo, a contar pelo número de filmes. No ano passado foram entre 80 e 85, dos quais uma quantidade muito inferior, dependendo do critério individual, pode ser considerada realmente boa. Mas isso está na média dos Estados Unidos, França, Irã, Argentina. Isso faz parte do jogo de produção de produtos artísticos e culturais, nem todo mundo faz grandes filmes todo ano. Há dois aspectos: que tipo de política de produção existe no Brasil, se é que existe alguma, e a quem estão chegando estes filmes e de que forma. É aí que fica problemático. Esse manancial de filmes de longa-metragem que estão sendo feitos não responde a nenhuma política de produção específica, a nenhuma demanda ou ocupação de mercado real. Temos uma produção que não existia há quinze anos atrás, mas não há uma indústria de cinema.

Leonardo Mecchi: Exato. O que se priorizou com a extinção da Embrafilme e com a criação das leis de incentivo à cultura foi a produção, não importava para quem ou o quê. Então, começamos a financiar sem uma política estruturada. Por exemplo, um Se eu fosse você 2. Se é o segundo, é porque o primeiro fez sucesso e, por isso, deveria estar sendo pago pelo primeiro e não usar dinheiro público. Não existe este tipo de lógica na política pública de cinema. A prioridade era fazer filmes, mas onde exibi-los, para quem e quais deles deveriam, de fato, receber financiamento público, nenhuma dessas questões foi discutida e, se foram, não foi colocado em prática.

Eduardo Valente: Quem poderia dar um encaminhamento para isso, é o Estado. Porém, o governo se sente tão pressionado por todos os lados que, no final, não assume nenhuma posição e fica tentando agradar todo mundo, em todos os momentos, da maneira possível. Assim, não constrói nada a médio e longo prazo. Essa confusão entre o que é política de estado e o que é política de governo leva a essa diferença. O cinema brasileiro nunca foi tratado como política de estado, como ocorre na França. Aqui, o cinema ainda não tem a indústria, por isso não pode estar diretamente vinculado ao mercado, como é nos Estados Unidos, na Índia, precisa ser incentivado pelo Ministério da Cultura e etc. Na França, o cinema é tratado como política de estado, independe de qual é o governo, se o governo muda, altera levemente, mas não pode fazer uma mudança completa. No Brasil, todo mundo entra querendo fazer política de governo e isso é muito frágil. Então, quando o governo tenta propor uma política em que o investimento público deveria se voltar mais para um lado de produção mais ativa, no sentido cultural, de experimentação de linguagem, ou relevância cultural, ele sofre pressão do lado que não se sustenta no mercado da indústria cultural. Ficamos caminhando nesse meio termo, atendendo apenas a demandas anuais, lançando alguns editais e formas de orçamento que garantem apenas a produção do ano seguinte. Mas, o que vai acontecer daqui a três, cinco anos? O que se espera que aconteça com o cinema nacional? Historicamente isso sempre foi assim e o fato de já termos tido um Collor não impede que venha um outro e faça a mesma coisa. Isso sem contar nas outras dependências, dentro da importância da cultura para o país, do orçamento destinado a ela. O cinema nacional, por exemplo, por mais que esteja barateando, ainda é uma atividade cara. Hoje, se a Petrobras decidir que não apóia mais o cinema nacional, essa decisão de apenas uma empresa público-privada, que a priori não tem obrigação nenhuma de investir em cinema, dois terços do cinema brasileiro vão à falência. As bases de tudo o que existe hoje, que é muito melhor do que há 14 anos, são muito frágeis, não há nada que garanta a permanência desses investimentos. Isso é interessante e assustador ao mesmo tempo. No mundo inteiro você sente esta sensação de crise e de não compreensão do momento, os estúdios norte-americanos estão preocupados. O Oscar de alguns anos atrás fez campanhas anti-pirataria, pois eles também não sabem se eles terão futuro. Tem muita coisa em jogo, o número de salas de cinema, a internet e a pirataria, a diminuição da quantidade de pessoas que podem ir ao cinema. Estes fatores todos independem do micro do cinema brasileiro, mas ele está no meio disso tudo. E ninguém discute como solucionar isso, apenas tentam manter a produção alta no ano seguinte. Hoje você tem os editais do BNDS, da Petrobras e do B.O. [baixo orçamento] que garantem um mínimo de produção, que faz muito número, mas sem muita relevância, ou melhor, o que afinal estes filmes falam para o público brasileiro?

A Qualidade dos Filmes

Cléber Eduardo: Eu acho que o último grande cineasta que surgiu no cinema brasileiro surgiu em 1979, de lá pra cá não há nenhum outro. Há vários filmes bons, mas não veio nenhum outro que fez diferença para a história do cinema. Estou me referindo ao Sganzerla. Engraçado que a Embrafilme começa justamente quando o Cinema Novo decai em inventividade, ela se monta quando o Sganzerla está surgindo. Na minha opinião, a contribuição do cinema brasileiro para o cinema mundial acaba quando a Embrafilme nasce, ou seja, quando começa a ser discutido não mais o cinema, mas a ocupação do mercado. E isso passa a pautar os filmes em certas fórmulas, adaptando Jorge Amado, Nelson Rodrigues, elege a Sônia Braga como musa do cinema brasileiro, precisa ter uma certa erudição, tratar temas sociais. O cinema brasileiro durante este período, tenta criar os conteúdos com os quais vai ocupar o mercado, e até consegue, mas a questão toda é que essa fórmula e esse assunto de legislação e política - que são necessários - monopolizou a discussão e tornou o cinema um coadjuvante. Até o início da década de 70, os congressos e debates discutiam o que é que estava sendo produzido. Depois, eles passam a discutir apenas como vamos produzir os filmes e como serão exibidos. Isso empobreceu o pensamento cultural do cinema brasileiro, que passou a se pensar muito pouco.

Público

Eduardo Valente: O mercado exibir hoje se relaciona com os espaços vazios. Não tem muito como determinar, você lida com a situação socioeconômica do Brasil, com a questão de que as pessoas cada vez menos saem de casa nos centros urbanos, que é onde estão os cinemas, no interior há uma produção pujante, mas está na televisão e atinge a população de graça, todos os dias. Em um país em que sair de casa é caro, perigoso e você tem acesso ao produto audiovisual todos os dias, na sua casa, então porque fazer esta troca da televisão pelo cinema nacional? Além disso, o mercado norte-americano de cinema está a cem anos formatando o gosto do público brasileiro e este produto o nosso cinema não pode oferecer, em termos de custo. Aliás, os filmes norte-americanos só são produzidos porque eles têm entrada em duzentos países, é o mercado externo que os sustenta, se estes filmes ficassem na mesma situação que o brasileiro, exibidos apenas para o mercado interno, não se pagariam. O público está desinteressado, foi formado pelas telenovelas, em casa, e pelos filmes norte-americanos, no cinema. É necessário um longo processo de educação para mudar este olhar e gerar um interesse por aquilo que podemos oferecer e que não está na televisão. São muitos problemas, que não se solucionam por lei de um dia para o outro. Em última instância, o cinema está em discussão no mundo inteiro. Não se sabe se ele vai continuar existindo como plataforma de exibição. O público está de fato diminuindo e os filmes nacionais quase não vão para a televisão, tem venda em DVD, diferente do filme americano, que vai encontrar um lugar para sair. O filme brasileiro faz os cálculos pensando apenas na quantidade de público dentro das salas de cinema e talvez, ter apenas 50 mil espectadores no cinema seria até bom, se além disso o filme circulasse nas locadoras, nas lojas e no circuito externo. Mas para um país do tamanho do nosso ter isso de público tem uma relevância mínima.

Cléber Eduardo: Além disso, é preciso comparar como ocorre o lançamento dos filmes. Ou seja, se um filme está sendo lançado com vinte cópias, o universo comparativo dele são outros filmes nesta situação. Não dá para comparar filme brasileiro com os que entram com quinhentas cópias, é preciso fazer um ranking filme a filme. A competição se dá por estes segmentos, caso contrário não é possível comparar a concorrência.

Leonardo Mecchi: Em relação aos filmes não americanos, eu já fiz este levantamento há dois anos. O percentual público de filmes brasileiros é praticamente igual ao de outros filmes não americanos.

Eduardo Valente: Eu acho que o cinema no Brasil se encontra numa posição melhor agora, em relação aos anos 80 e 90, porque o espectador, com poucas exceções e tipos de produtos, não traz mais um preconceito com os filmes nacionais. É só uma questão de pensar como os filmes brasileiros são feitos e como eles dialogam com o público. Você ainda encontra um espectador de filme brasileiro saindo de um filme que não gostou e reclamando do cinema nacional como um todo, ao passo que se for ver um filme americano, saí xingando só o filme e não o cinema americano em geral. Tudo bem, são hábitos arraigados e que tem a ver com outras características brasileiras, mas isso não é mais tão relevante. Um filme pode circular e ser recebido em uma cidade como Tiradentes e nos multiplex. O problema é que a dinâmica entre as produções é muito distinta, a dinâmica dos filmes brasileiros nunca vai ser igual a de um blockbuster norte-americano ou televisivo, que é a nossa linguagem audiovisual que mais é compreendida. Então, pelo menos fazemos o blockbuster nacional da televisão para o cinema e, às vezes, ele dá público.

O Melhor da Produção

Eduardo Valente: Eu diria, sem dúvida, que os melhores diretores em atividade seriam o Eduardo Coutinho, o Karin Aïnouz, por um lado absolutamente pessoal, e o Beto Brant. Os outros são mais localizados, como o Andréa Tonacci, que fez um ou outro filme nesses últimos 20 anos, no entanto este filme é um dos melhores que eu já vi. Quando eu falo do Beto Brant, eu acho que ele conseguiu criar uma barreira única no cinema brasileiro, pois, de 1995 para cá, ele construiu, de fato, uma obra, com seis longas. Tendo feito filmes que me interessam, conseguiu fazer uma quantidade e uma obra importante. O Coutinho fez a mesma coisa, de 1999 até hoje, ele fez seis, sete filmes, uma obra. O Karin é diferente, pois fez só dois, mas são dois dos meus favoritos. Outras pessoas é difícil falar, só fizeram um filme, ou então, como o Andréa Tonacci, um dos maiores cineastas, mas fez um grande filme nos últimos anos. Agora, falar os filmes é muito pessoal, fora que eu tenho um problema grave de memória e se eu disser cinco filmes agora, vou ter esquecido os cinco que eu mais gostava porque eu não lembrei agora.

Cléber Eduardo: Repito os dois já falados. Acho que o Coutinho, não levando em conta apenas seus filmes, mas ele teve uma importância nos últimos dez anos no documentário brasileiro talvez até maior do que ele tinha tido com Cabra Marcado Para Morrer. Este não foi um filme que influenciou tanto o cinema brasileiro, pois não tinha lugar para ele, não houve uma continuidade depois dele. E o Coutinho estabeleceu uma dinâmica que, por um lado, foi boa para ele, mas, ao mesmo tempo, muita gente começou a levar alguma coisa da sua dinâmica de documentários, sem necessariamente atingir o patamar dele. Coutinho produziu constantemente, criou um método e agora está, de certa forma, desconstruindo isso e apontando para um caminho que não sabemos mais qual é, pois chegou na depuração da entrevista, do encontro e está fazendo uma outra coisa entre o que é o confessional e o ficcional. E o embaralhamento disso. O Karin é um dos raros cineastas brasileiros antenados com o cinema estrangeiro, em termos de linguagem. Eu não acredito muito em um cinema que fica olhando muito para si próprio, só pesquisando a sua própria linguagem ou tentando criar fórmulas de como criar uma estética nacional. E o Karin, sem deixar de transpirar o país que ele filma, não ignora o que o cinema está fazendo fora do Brasil neste mesmo momento histórico. Não o ignora como espectador, do ponto de vista crítico e nem na própria linguagem dele. O Beto Brant conseguiu construir uma linguagem a partir de um tema de produção que exige orçamentos muito baixos. Ele parecia ter criado um caminho de cinema de impacto, com uma câmera nervosa, com cortes secos, sobre a violência urbana e de repente foi para uma outra coisa, um cinema de planos mais longos e acontecimentos extraordinários, em que ele desenvolve algo que é aparentemente demodê que é desenvolver a psicologia do personagem. Assim, ele se aproxima mais do teatro depois de O Invasor e O Crime Delicado, e não abre mão totalmente do teatro no filme seguinte e vai fazer algo diferente no próximo filme. Ele é um cineasta que está sempre propondo desafios em produções muito viáveis.

Eduardo Valente: Um cineasta que eu acho essencial retomar também é o Paulo Sacramento, que fez apenas um longa metragem, que é o Prisioneiro da Grade de Ferro. Ele trabalha como montador, assinando algumas das mais importantes e, em um segundo momento, foi seu papel como produtor. O Paulo foi um cara que sempre se apostou como cineasta, mas ele não se satisfez com isso, abriu uma produtora e fez dela um pólo irradiador de coisas, realizando projetos de uma série de diretores importantes como Cláudio Assis, Zé Eduardo Belmonte e, está produzindo agora, a volta do Mojica [José Mojica Marins, o Zé do Caixão], depois de mais de 20 anos sem filmar. Ele tem o dedo em uma série de coisas importantes no cinema nacional, por isso é um nome importante. Quando vamos pensar em nomes de pessoas acho que precisamos pensar essa coisa da obra e então tem esses que fizeram obras como diretores e outros como o Paulo, que dirigiu, montou, produziu e foi importante neste aspecto.

Cléber Eduardo: Eu acrescentaria a esta lista o Júlio Bressane, que fez cinco ou seis filmes nos últimos dez anos, sem concessões para o produtor que, além disso, aumentou o orçamento dos seus filmes, o que significa que melhorou. Ele viveu uma fase em que falava para muito pouca gente, embora não seja para menos gente do que seus últimos filmes têm falado, mas de qualquer forma o potencial de comunicação dele já é, pela própria característica da obra, menor. E no meio do processo ele ganha dinheiro do produtor, contrata o Walter Carvalho para fotografar.

Eduardo Valente: É, ele fala com menos gente, mas fala com quem ele quer falar, tanto no Brasil quanto fora, nos festivais. Os filmes dele de fato existem. De todos os caras que vieram da outra geração, ele foi o que melhor se adaptou ao sistema de produção desses tempos, foi quem mais conseguiu produzir coisas relevantes para a sua carreira e dentro do cinema brasileiro e mundial.

Cléber Eduardo: E sem produzir para qualquer outra coisa que não seja a necessidade dele de fazer os filmes do jeito dele, sem concessões ou preocupações com público ou modismo cinematográfico, até por que os filmes do Bressane são completamente alienígenas no cinema atual, não tem nada que se pareça com os filmes do Bressane. Acho que ele é um cara importante. Eu também lembraria de um outro cara, que atingiu a sua obra prima como modelo de cinema que ele vinha desenvolvendo desde os seus curtas, que é o Jorge Furtado. Ele vêm com um modelo de cinema todo resolvido no roteiro, de uma maneira muito esperta e que transborda inteligência, não é só no diálogo e na narração, mas sobretudo na estrutura. Ele vêm desenvolvendo narrativas muito estruturadas e o ápice disso foi em O Homem Que Copiava e, a partir dali, isso passa a ser não mais interessante, pois ele não tem mais para onde ir, teria que reinventar e ele não fez isso. Ainda está tentando desdobrar O Homem Que Copiava. É óbvio que se ele não inventar um outro caminho ele só vai piorar - se é que ele ainda tem condições de reinventar um outro caminho, pois, às vezes, depois de atingir o máximo daquilo você não tem mais para onde ir e se relacionar com a narrativa. Mas o Jorge Furtado é uma figura muito interessante.

Eduardo Valente: Eu citaria como um caso curioso o Carlão Reichenbach, que através de um acordo com uma produtora também conseguiu produzir constantemente nestes anos, realizou alguns dos que eu acho os melhores filmes que ele fez. Mas ao contrário do Bressane, os filmes dele desejam ter um diálogo com o público e este público não existe mais. Os filme do Carlão, ao contrário dos do Bressane, foram feitos para serem vistos por muita gente, só que essa gente não vê mais esses filmes ou não tem mais condições de ver esses filmes, seja por que ele se interessa muito por um público no sentido mais popular do termo, seja por que no que tange a classe cinéfila, que seria um outro público possível dele, o diálogo que ele faz com o cinema popular é tão grande que essa classe que se formou nos cinemas de bistrô, nos circuitos de arte, que gostam de um outro tipo de aproximação com o cinema, de relevância temática, de beleza plástica, acham os filmes do Carlão muito vulgares, pois são de uma cinefilia muito forte, mas voltados para o imaginário popular. Então, ele não tem mais público, está fazendo os melhores filmes dele - pessoalmente o Falsa Loira é um dos melhores - e não está falando para quase ninguém. Ele é um caso exemplar interessante, é a qualidade artística, destacada esteticamente, mas serve como exemplo de um determinado estado de coisas e da relação com o público.

Leonardo Valente: Caminhando nessa linha de filmes, particularmente para mim o Lavoura Arcaica, até por ser um óvni na nossa produção, citaria o Cinema, Aspirinas e Urubus e espero muito ainda da obra do Marcelo [Gomes], mas o Bressane, mais do que ter uma produtora, teve a sorte de ter sido eleito como um carimbo de cinema de arte. Por exemplo, qualquer edital que premie o Júlio Bressane está praticamente isento de falar que não premia cinema de arte. Ele encontrou este gueto.

Cléber Eduardo: Mas inevitavelmente vocês devem estar pensando porque nós não citamos nem o Walter Salles, nem o Fernando Meirelles ou o Padilha. Eles são os cineastas internacionais, fazem filmes fora. O Padilha ganhou Berlim, o Walter Salles outros festivais internacionais. Não daria também para ignorar, além das nossas opções, essa “praça dos três poderes”.

Eduardo Valente: Eu acho que o Walter Salles tem uma importância que o Fernando Meirelles parece apontar para querer ter, mas ainda não conseguiu. O Walter Salles e o João [Moreira Salles] fizeram uma opção para além da carreira de realizadores, um na ficção e o outro no documentário, no sentido de construírem obras constantes que recebem reconhecimento em várias áreas. Acima de tudo, eles usam este prestígio para permitir que outros realizadores façam seus filmes. Isso é muito importante para a realidade do cinema brasileiro, não apenas apadrinhando, mas eles viabilizam filmes como os do Karin Aïnouz e do Coutinho, que só foram realizados por causa da Videofilmes. Eles resolveram e conseguiram ultrapassar qualquer reconhecimento deles para além das suas carreiras. Lógico, falo também por uma visão pessoal, já que o meu longa-metragem está sendo produzido pela Videofilmes. Apesar de me dizer respeito pessoalmente, mesmo antes de ir para lá fazer o filme, eu tinha esta admiração da produtora trabalhar com novos nomes como Sérgio Machado e Paulo Sacramento e também com Coutinho, Nelson Pereira. Eles conseguem olhar para além do umbigo deles. Eu acho que o Fernando Meirelles ainda quer fazer algo deste gênero e a O2 está começando agora, mas ele não é tão bem sucedido quanto os Salles. Mas, eu espero que ele consiga. Acho que todos eles têm uma noção de que a fama, a realização pessoal, vai até certo ponto. Eles têm um compromisso com outras coisas do cinema brasileiro. Neste sentido, eles são mais importantes do que a carreira de diretores que tiveram, apesar de Central do Brasil e Cidade de Deus sejam filmes que precisam ser citados.

Leonardo Mecchi: Eles também são embaixadores do cinema brasileiro no exterior, pois eles tem muita entrada no Festival de Berlim, em Cannes. O Fernando Meirelles, talvez de maneira não intencional, mas é fundamental. Foi ele quem colocou uma pá de cal nessa questão do cinema brasileiro com o Cidade de Deus, que foi um marco para parar com este discurso de não gostar do cinema brasileiro como um todo.

Eduardo Valente: E Cidade de Deus foi o primeiro filme a inverter uma lógica clássica do nosso cinema, que de vez em quando servia como plataforma para produtos televisivos. Depois desse filme, acho até que foi um dos primeiros casos em que um produto feito originalmente para o cinema gerou uma série de televisão, com o Cidade dos Homens. Depois, aconteceu a mesma coisa com o Carandiru, com o Antônia, mas o Cidade de Deus gerou um fato cultural a ponto de chamar atenção da televisão, que é muito mais poderosa.

Novembro de 2008