Ponto de vista

Opinião da Crítica Independente (Parte 1)

Entrevista com Cléber Eduardo, Leonardo Mecchi, Eduardo Valente

Em clima de conversa entre amigos, entrevistamos Cléber Eduardo, Leonardo Mecchi e Eduardo Valente, editores da Revista Cinética. Na verdade, até chegarmos na casa de Cléber Eduardo, achávamos que a entrevista seria só com ele. Mas, para nossa surpresa (e que surpresa), estavam lá os três, fazendo uma reunião de pauta. Como você poderá conferir, a Cinética foi criada por estes três amigos, que seguiram rumos bem diferentes até que a paixão pelo cinema os reunisse.

Leonardo Mecchi, por exemplo, é engenheiro, formado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Enquanto cursava a graduação, conseguiu uma bolsa de estudos para estudar engenharia na França, mas acabou fazendo cursos de cinema, área que já gostava muito. Hoje ele é crítico e produtor de mostras, festivais e filmes, como Onde Andará Dulce Veiga? (2007), de Guilherme de Almeida Prado e, os ainda não lançados, À Margem do Lixo e Quebradeiras, de Evaldo Mocarzel.

Eduardo Valente se formou em cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com Mestrado em comunicação pela USP. É cineasta, professor, crítico e curador de festivais e mostras de cinema. Dirigiu os curtas Um Sol Alaranjado (recebeu, em 2002, o prêmio Cinéfondation para filmes universitários no Festival de Cannes), Castanho (2002) e O Monstro (2005). Agora está concluindo No Meu Lugar, seu primeiro longa-metragem. Antes de ser editor da Cinética, era crítico da Contracampo.

Cléber Eduardo é formado em Jornalismo na Universidade Metodista de São Paulo, e em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). Trabalhou como jornalista na Folha da Tarde, Diário Popular e Época. Foi crítico da Contracampo, antes de criar a Cinética. Durante três anos, foi professor de jornalismo cultural e análise do audiovisual na pós-graduação da Metodista. Foi curador das mostras de Ouro Preto, Belo Horizonte e Tiradentes. É diretor, roteirista e montador do curta Almas Passantes (2008), co-dirigido com Ilana Feldman. Atualmente, está realizando com o coletivo Na Marra o média-metragem Juventino da Mooca e o curta Rosa e Benjamin, com Ilana Feldman.

Admiramos, há algum tempo, o trabalho desenvolvido na Cinética. Com abordagens inusitadas, textos densos, análises pertinentes e atualização freqüente, a revista eletrônica é, para nós, referência importante na crítica do audiovisual no Brasil, já que ela não se limita a analisar só o cinema. A independência editorial aliada à paixão que move esses críticos são fatores com os quais nos identificamos e que se tornaram as bases do projeto Caleidoscópio. Foi muito interessante conhecer as pessoas que estão por trás daquelas intrigantes críticas e que também produzem e realizam cinema no Brasil.

Na sala de Cléber, tomando uma Coca-Cola, de forma totalmente informal, os editores da Cinética falaram sobre o surgimento da revista, o papel da internet na viabilização do tipo de trabalho que eles desenvolvem, analisaram a produção cinematográfica nacional contemporânea, além de falarem sobre a curadoria da Mostra de Tiradentes. Leonardo com seu jeito quieto, Eduardo, mais falante, respondia às nossas questões muitas vezes com um notável discurso com base marxista e forte sotaque carioca e Cléber tecia seus comentários de forma pontual e precisa. Essa descontraída conversa pode ser conferida aqui em três partes. Nesta primeira parte da entrevista, Leonardo, Eduardo e Cléber falam sobre a criação da Cinética e sobre a importância da internet para a realização de um projeto de crítica independente. Comentam também sobre a polêmica questão da “velha” e “nova” crítica.

A Criação da Revista Cinética

Eduardo Valente: Em final de 2005, eu era um dos editores da Contracampo. Na época, estavam surgindo interesses diferentes entre os editores, que eram o Ruy [Gardner], o Júnior [Luiz Carlos Oliveira Jr] e eu. No meu caso, sentia que havia outros projetos que não conseguiriam ser colocados em prática dentro da revista, pois geravam uma tensão entre nós. A Contracampo, na figura do Ruy e do Júnior, que estão lá há mais tempo, há um interesse específico sobre um tipo de pensamento sobre cinema, um jeito de se expressar e de abordar o cinema, algo voltado para a teoria, a partir de determinadas teorias, e não há uma abertura para outras formas de produção de texto e reflexão. Foi uma iniciativa pessoal minha de sair, pois como o que fazemos é baseado em relações pessoais, sem incentivo, dinheiro, patrão e empregado, é tudo muito pessoal. Eu queria continuar sendo amigo dessas pessoas e, ao mesmo tempo, cada um continuar com seu projeto. Depois de alguns meses pensando, achei que tanto o Cléber Eduardo como o Felipe Bragança, que entraram na revista indicados por mim, poderiam sofrer com problemas semelhantes, embora não se sentissem tão incomodados por não serem co-editores e não precisarem passar por isso nas discussões diárias. Optei chamá-los para ver se poderíamos fazer um projeto diferente. Eu e o Cléber sempre achamos que a Contracampo sempre se ressentiu de não ter uma outra revista forte, interessante, com uma produção constante e com outro olhar, para fazer um contraponto, para ela se espelhar, já que sempre foi muito diferente de tudo o que existia no momento em que ela surgiu. Nós torcíamos para que alguém de fora fizesse algo para termos uma comparação e a revista melhorar. Aí decidimos que nós deveríamos fazer isso, já que isso não estava surgindo naturalmente. Em suma, conversamos, estruturamos o projeto, o formato, o que deveríamos fazer de diferente, quem poderíamos chamar para escrever. O resultado [a Revista Cinética] é este que está no ar há mais ou menos dois anos.

Diferenças Editoriais

Eduardo Valente: As diferenças mais básicas são bem claras. A Contracampo, até aquela época, era muito estruturada, tinha edições mensais, pautas que se propunham a ser muito profundas sobre um determinado tema. Queríamos fugir disso, ter uma agilidade maior, com atualizações semanais, sem precisar se pautar para tudo, ou seja, o redator pode escrever sobre o que achar interessante sem precisar conversar previamente com todos os outros. Na verdade, a proposta tem muito a ver com o nome Cinética, que está relacionado a idéia de movimento. Já a Contracampo era muito engessada e engessante, na forma de escrever e na estrutura diária na redação. Além disso, tínhamos interesse de investir no corpo a corpo com os realizadores. A Contracampo fazia críticas distanciadas, olhando os filmes de fora, de longe e nós queríamos trocar informações, mesmo porque muitos de nós também são diretores. Queríamos também analisar outras plataformas, como a televisão, Youtube, levar esta discussão sobre o audiovisual o mais abrangente possível. Essas eram as diferenças básicas.

Cléber Eduardo: Somos um grupo de relações [em referência às comparações entre os sites Contracampo, Cinética e Cinequanon], que passa por um duplo movimento, se auto-influencia a longo prazo e tem diferenças entre os sites. Eu não gostaria que a Cinética fosse confundida com outras revistas e não concordo com a idéia de que tudo é igual. O Cinequanon tem um perfil de visões e estilos diversificados. A Cinética tem pessoas de formações muito diferentes e textos com várias abordagens, mas com uma matriz comum. A Contracampo é um pouco mais homogênea, há um certo caminho para se abordar o cinema. Eu digo isso, pois quando comecei a acompanhar a Contracampo, tinha acabado de entrar na Revista Época. Eram duas plataformas totalmente diferentes e eu notava que o que estava sendo produzido no site, eu não teria oportunidade de fazer na revista semanal. Isso começou a pesar ano a ano e a história da Contracampo foi num crescente que era de frustração que eu tinha com qualquer possibilidade de fazer uma crítica de cinema como eu gostaria numa revista semanal. Eu não desprezava o que eu fazia, porque você pode deixar no texto pré-formatado uma assinatura sua, mas é um limite baixo. Seria até um pouco pedante da minha parte, mas comecei a notar que eu não tinha mais tanto interesse pelo leitor da Revista Época, que é um grupo muito diverso de pessoas e eu queria escrever para um outro tipo de público. Em geral, nas grandes revistas impressas isso é uma ditadura, na reunião de pauta, reafirma-se que o leitor é um descerebrado, não sabe nada e é muito desanimador pensar que você faz uma catequese de cada leitor, a cada assunto. Assim, a crítica se torna um mero adjetivo após um substantivo. Além disso, a cobrança de que o texto precisava ficar indicando os filmes, como uma consultoria, estava ficando cada vez mais pesada, se afastando da crítica de arte. Chegou em um determinado momento que eu saí da revista e evitei escrever para meios impressos. A Cinética veio justamente no momento em que eu saí da Época. Sou bastante cético em relação à viabilidade da crítica de cinema nos meios impressos, inclusive vindo dos bons críticos de cinema. Eu sei que eles são melhores do que os seus textos demonstram.

Acessos ao Site

Cléber Eduardo: Eu diria que tem uma leitura a ser feita sobre isso. O portal UOL, por exemplo, só conta entradas e isso não significa que a pessoa leu alguma coisa. Nós temos como controlar quanto segundos a pessoa circulou no nosso site. Então, quem fica uns cinco minutos já é um leitor, parou para dar uma lida em tudo.

Eduardo Valente: A não ser que você contrate uma auditoria que ofereça um suporte básico do provedor, estes dados são muito incertos. O nosso contador tenta separar isso, mas ainda assim não é preciso. O Google acessa constantemente o site, para ler e arquivar o conteúdo, para você encontrar aquelas palavras quando fizer a pesquisa, ou seja, é uma coisa automática, não são pessoas lendo o material. Essas informações, portanto, são muito incertas. É tão difícil quanto dizer o número de leitores de jornais ou de revistas, já que não se sabe quantas pessoas leram cada matéria. A única coisa que podemos dizer com certeza é que, de um ano para cá, a revista triplicou o número de acessos. Pensamos então como atrair mais leitores, que tipo de matérias são mais lidas, quais textos têm uma vida longa e quais perdem acesso em pouco tempo. Uma crítica de um filme em cartaz pode bombar agora, mas pode ser que daqui a dois meses ela perca o interesse, enquanto uns artigos que não são campeões de audiência nos primeiros dias no ar, depois ficam quase todo mês entre os mais lidos. O que a gente percebe é que estes textos vão sendo citados em outros sites, em bibliografias de cursos nas faculdades, são textos de outro fôlego. Este é o tipo de percepção que uma revista ou qualquer impresso não pode ter, com exceção do número de exemplares, quanto aquele texto vai existir no tempo.

Patrocínio

Leonardo Mecchi: Na verdade, num primeiro momento, queríamos estruturar a revista da forma que a gente queria. Até chegar em um formato, isso tomou um tempo e só agora estamos começando a buscar algumas possibilidades. Há um edital da Petrobras para websites culturais, há um fundo do Ministério da Cultura e outros. O segundo passo é definir para o que queremos este patrocínio, como a gente vai dividir, se vamos pagar por texto ou com um salário fixo, se vai viabilizar a estrutura do site e pagar a hospedagem, provedor, se vai permitir a viagem dos redatores para cobrir os festivais pelo mundo. Patrocínio só pelo patrocínio não sei se é bom. Fomos procurados por empresas para nos hospedar, mas precisamos pensar que tipo de leitor isso vai trazer, é um leitor qualificado, que é com quem nós queremos dialogar, ou vai apenas aumentar o número de acesso, com pessoas que passam pelo site e nunca mais voltam e que nem têm interesse sobre o que escrevemos? Isso precisa ser decidido com cautela, estamos estudando por que precisamos de patrocínio e quem poderia fazer isso.

Eduardo Valente: Uma coisa que é muito clara é que para possuir um negócio, no sentido capitalista do termo, seria muito difícil definir o custo real de manter em funcionamento a nossa estrutura com qualquer possibilidade de patrocínio, publicidade. Para o mercado de publicidade, a internet ainda é muito subdimensionada, da mesma maneira que o material impresso ainda é muito superdimensionado. As coisas ainda não recebem o verdadeiro valor que elas têm. A nossa iniciativa geraria um valor ínfimo para a publicidade, gerando mais problemas do que soluções. Primeiro por que perderíamos uma independência, inclusive visual, além de que geraria uma quantidade de renda para distribuir entre os trabalhos das pessoas. É muito mais problema do que solução. E é como o Leo afirmou, se você fizer um orçamento como se fosse uma empresa, os gastos anuais seriam muito maior do que qualquer patrocínio cobriria. A manutenção diária disso é claramente não lucrativa e tudo bem, pois não foi com esta intenção que entramos nesse projeto. Eu acho também que é importante dizer que o trabalho que fazemos, apesar de não ser remunerado, gera indiretamente uma visibilidade e credibilidade que foi construída por nós, gratuitamente, na Contracampo e na Cinética. É isso que permite que tenhamos hoje outras atividades remuneradas. Ou seja, existe algo que a gente tira de lá que é financeiro, não que estas revistas tenham esta utilidade de funcionar como trampolim, mas há esse outro lado.

“Nova” e “Velha Crítica”

Cléber Eduardo: Eu acho que essa coisa que chamam de “nova crítica” foi uma forma de três, quatro sites auto-marquetearem uma diferença, delimitarem um certo “nós não jogamos nesse time”. Isso surgiu num determinado momento em que estes sites se uniram para dar um prêmio, que naquele momento se chamou Prêmio da Crítica Independente, à margem da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que já tem um Prêmio da Crítica Oficial. Foi muito em função de um certo tratamento que estes sites receberam da mostra, por não terem recebido credencial, embora fossem as publicações que de fato escreviam sobre os filmes. Se você for comparar o número de textos destes sites em relação a um jornal como a Folha de S. Paulo ou O Estado de S. Paulo, é muito maior, em quantidade de filmes e, mais do que isso, é muito maior o espaço dedicado a cada filme, é um outro tipo de abordagem, não é aquela coisa do tipo “este é o filme para você ver amanhã na mostra”, é uma tentativa de receber os filmes de forma mais crítica mesmo. Mas eu acho que, naquele momento, isso não era uma questão para a mostra, apesar dela sempre ter incentivado a cinefilia e se orgulhar de estimular um olhar crítico para o cinema. Quando a gente cria o Prêmio da Crítica Independente, ele mostra que a cinefilia e a crítica não podem se render a esta institucionalização do cinema que a mostra claramente tinha assumido, entregando chuvas de credenciais para revistas como a Quem e Caras, enquanto estes sites, que eram a “militância” do cinema, foram destratados. Então resolvemos entrar em uma briga mesmo, deixar claro que o tratamento ao cinema que nos interessava não tinha nada a ver com o que estava sendo executado. A partir deste prêmio, se criou esta cena de uma “nova crítica”. Entre outros motivos porque quase a totalidade dos votantes deste prêmio e da redação dos sites, independentemente da idade, são pessoas que não escreviam há dez anos e que começaram a escrever. Então, do ponto de vista de cena cultural é uma “nova crítica”, que é uma novidade no cenário da crítica de cinema e para melhor. Há dez anos, eu não tenho a menor dúvida, de que a crítica de cinema era pior e essa novidade melhorou a média da crítica. É lógico que estou me referindo a determinadas publicações, já que boa parte dos veículos de internet reproduz ou piora o conteúdo do impresso. São três ou quatro iniciativas que possuem um corpo crítico bastante expressivo, exercendo este ofício não remunerado. E isso independe de idade, sobretudo com o acesso aos filmes que temos hoje. Antigamente, qualquer crítico mais velho quando vinha falar comigo tinha uma certa empáfia de afirmar que viu filme que eu não teria visto por ser mais novo. Isso acabou, está tudo disponível hoje e a molecada está vendo filme adoidado, de forma selvagem. O que vai determinar quem é o crítico, portanto, é o que ele escreve e não há quanto tempo está fazendo isso ou quem leu mais livros, mas sim o resultado do texto, sua relação com o cinema e qual a relevância da sua abordagem para a melhoria do entendimento do cinema. A nova crítica é, portanto, marqueteira, no sentido de que criou um nome para chamar atenção para si mesma. E deu certo, o apelido colou, pois nós vivemos em uma sociedade em que estas etiquetas, às vezes, são necessárias. Os grandes movimentos foram todos etiquetados, Nouvelle Vague, Cinema Novo, Neo-realismo, ninguém pertenceu a um movimento sem etiqueta, slogan ou manifesto. Talvez a “nova crítica” precisasse naquele momento se auto-titular e depois isso se oficializou em outros textos.

Eduardo Valente: O que eu acho interessante é que estes movimentos todos surgem como propostas de negação do que existia antes. Por mais que a nossa prática ao longo destes anos todos fosse de negar alguma coisa, neste momento do prêmio, havia uma atitude de afirmação deste grupo de pessoas e a negação veio do outro lado, no sentido de que se afirmaram como “velha crítica”, ao dizer que havia uma outra, mais nova. Outra reação é que outros críticos também jovens se colocaram contra e se apegaram a este apelido para caracterizar apenas este grupo. Assim, apesar de ter se mobilizado contra um ato bem específico na mostra, este grupo sempre foi afirmativo e acabou se confirmando pelos outros, que se tornaram reativos- em alguns casos de maneira bem violenta até. Neste pequeno mundo que é a crítica do cinema no Brasil, as pessoas acham que os espaços são muito pequenos, sagrados e sempre que surge alguém com propostas novas, outros se sentem incomodados e ameaçados de perder o seu espaço. É um medo natural, principalmente para este meio com muita intriga por pequenas coisas. Eu acho que é uma besteira, pois há espaços distintos para cada pessoa.

Paixão em Pensar o Cinema

Leonardo Mecchi: Tem duas questões ainda. O fato de ninguém ser remunerado traz uma paixão para o nosso fazer, afinal por que outro motivo mantemos o site? Pelo tesão em pensar o cinema, em propor novas coisas. E tem até a ver com essa coisa da “nova crítica”, pois a paixão, em geral, está vinculada à juventude. E a gente faz isso por que gosta mesmo. Nós só surgimos por que não nos sentíamos representados em lugar nenhum e quando tentávamos ler sobre os filmes não encontrávamos quem os discutisse com a densidade que nós gostaríamos. Essa nova crítica surgiu mais ou menos há dez anos, justamente quando começou a “retomada” do cinema brasileiro e falava-se desses filmes de uma forma que a gente não achava suficiente. Não estamos querendo ocupar um lugar que já existe, pelo contrário, queremos abrir espaço para quem pensa como nós e que não tem lugar na mídia hoje.

A Importância da Internet

Eduardo Valente: Eu acho que é importante retomar o que o Cléber estava falando. O meio não determina a crítica, ou seja, na internet tem muita coisa que não tem nada a ver com o que a gente faz, que reproduz a cobertura de cinema baseada em celebridade, mercado ou blockbuster. Por outro lado, o nosso movimento só pode existir conforme a internet começava a se constituir de fato e, por mais que ela não determine os textos das críticas, não poderíamos ter a penetração e a presença que temos em outros meios de comunicação, por falta de capital e meios físicos. Não conseguiríamos imprimir e distribuir uma revista, no máximo, reunir uns seis ou dez, fazer um fanzine em duas cores e entregar trezentas cópias em campus de universidade – o que é uma coisa ótima -, mas não teria essa abrangência, com os conteúdos à disposição de todos. Aliás, nós começamos como um fanzine e isso só tomou outro patamar depois, em grande parte por que estávamos no lugar certo e na hora certa. Quando a gente começou, ninguém esperava que dez anos depois estaríamos sendo reconhecidos como críticos, considerados como autoridades no assunto. Para ter uma idéia de como a internet era uma coisa nova, em 1998, eu estava comprando meu primeiro computador. Ninguém tinha noção do fenômeno que a internet se tornaria, resolvemos fazer um site porque não tínhamos muito dinheiro e queríamos trocar umas idéias com um pessoal leitor.

Guerrilha

Eduardo Valente: O cinema vive um paradoxo, porque é uma diversão para todo mundo, mas quem quer se especializar no assunto, é um grupo muito pequeno. Eu acho que há uma tendência do mundo moderno e não cabe a nós lamentar, e sim lidar com ela. A cada vez que a indústria cultural se fortalece, estrangula-se qualquer possibilidade de surgir outra coisa. E nenhuma indústria trabalha com conhecimento e pensamento especializado, e sim com fabricação e consumo em massa. O que resta para nós - e isso não é pouco - é um trabalho de guerrilha mesmo, no qual sabemos que estamos falando para poucas pessoas, pois optamos por não seguir o caminho traçado pela indústria cultural.

Cléber Eduardo: É uma guerrilha no sentido bem contemporâneo, ela não visa desocupar o poder e se colocar no lugar, é algo como o Sendero Luminoso. Nosso objetivo é permanecer sendo guerrilha e chamar mais guerrilheiros para fazer parte, pelo simples fato de ser guerrilha. Alguém precisa fazer este papel, já que o jornalismo não vai fazer isso, por estar totalmente comprometido. O fato de estarmos desvinculados de qualquer relação institucional nos deixa numa posição muito perigosa, pois não temos nada a perder.

Novembro de 2008