Ponto de vista

Por uma indústria cinematográfica nacional

Entrevista com Sérgio Rizzo

E-mails enviados, uma resposta, Sérgio Rizzo avisando que depois do Festival de Documentários estará mais tranqüilo para marcarmos a entrevista. Outro e-mail, agendando provisoriamente para o dia 28. Na véspera, mais um e-mail avisando que ele viajaria na quarta mas que devido a urgência de nossos prazos, nos atenderia no dia marcado em sua casa, às 19 horas. No dia, gravador, fitas e pilhas providenciadas, tudo certo. No teste descobrimos que o gravador estava com problema. E agora? Corrida por São Paulo para pegar outro gravador. Já perto da casa do Rizzo, às 18h30, nova descoberta. O segundo gravador também não estava bom. Pânico. Depois de apelar para todos os santos e mandingas por nós conhecidas, percebemos que o primeiro resolveu funcionar. Ufa! Subimos a rua. Interfone. O jornalista havia saído e o porteiro pediu que o aguardássemos em um banco. Nervosismo, cigarros, nervosismo, goles de água, nervosismo e algumas balas depois, ele chega. Nos convida a sentar no hall, pois, segundo ele, seus cachorros iriam ficar muito agitados com a nossa presença no apartamento.

Play no gravador. Desde criança, Rizzo já tinha o hábito de ver filmes com seus pais. “Começei a escrever críticas de cinema para um jornal de bairro e foi quando começou a minha carreira.” Depois, se formou em jornalismo na Universidade Metodista, fez mestrado em Cinema e hoje é doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo.“Eu tenho duas profissões, sou jornalista e professor. Como jornalista, uma das coisas que eu faço, há 26 anos, é fazer crítica de filmes.” Atualmente ele ministra aulas nos cursos de graduação em Jornalismo e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, na especialização em Crítica Cinematográfica da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e em cursos livres sobre cinema da Casa do Saber. A convicção com que ele passava uma quantidade enorme de informações e sua preocupação em solucionar nossas dúvidas transformou aquele hall numa sala de aula.

Retomada

A retomada não é um movimento, é um apelido que a imprensa deu. A produção foi zerada no governo Collor e filmes começaram a ser feitos. Retomada do cinema brasileiro é a volta da produção. A classe cinematográfica pressionou o governo a criar mecanismos de incentivo à produção e o governo resolveu criar a Lei Rouanet, a Lei de Audiovisual. A Lúcia Nagib acha que vai até aqui [Central do Brasil] o Luiz Zanin acha que vai até lá [Cidade de Deus]. Dependendo do critério acabou em Central do Brasil, há 10 anos. Eu concordo com a Lúcia, Central do Brasil.

Política Audiovisual

Discutir a retomada é discutir mecanismos de incentivo à produção. Os filmes passaram a ser feitos de novo e não são vistos, ou seja, é discutir também um equívoco de investimento de verba pública. Ela só é investida em produção e não em distribuição e nem em exibição. Você não pode acusar que o governo não está contribuindo, mas você pode acusar o governo de não exercer nenhuma espécie de monitoramento sobre onde e como este dinheiro é investido. Se o Pedro Almodóvar é o que a gente conhece hoje é porque lá atrás, quando ele tinha feito só três filmes, o Ministério da Cultura Espanhol olhou e falou "este cara aqui é bom, este argumento é bom, toma aqui o dinheiro". A Espanha fez, porque nós não podemos fazer?

Televisão

Outro problema do cinema brasileiro, é que ele não conversa com a televisão. Nos Estados Unidos e nos países da Europa Ocidental a produção de cinema está junto com a de televisão. Boa parte do dinheiro que um cineasta levanta para fazer um filme vem da televisão, como um adiantamento de direitos de exibição. Portanto a televisão vira sócia dele. Depois, no momento da distribuição, quando o filme é lançado no cinema, este sócio entra – como a Rede Globo faz aqui - com visibilidade e depois exibe o filme. É uma conversa integrada lá no início dos projetos que nunca houve no Brasil. Você tem experiências bem pontuais. Não é que houve um esforço para formar uma política de diálogo da televisão com o cinema, é que a Globo resolveu que iria colocar dinheiro em filmes. A hora que ela resolver não por mais, ela não põe. É uma determinação empresarial da Globo. Não é uma política. E quem faz política é o governo.

Produção Cinematográfica Contemporânea

O Jean Claude Bernardet escreveu há tempos atrás um artigo que gerou mágoa por ter dito que perto do cinema argentino, o cinema de ficção brasileiro está na pré-escola.Você não entende o país com a produção de ficção. Ele é de uma complexidade tal que o cinema de ficção não consegue desmontar. Nossos filmes são pontuais, Cidade de Deus é pontual a respeito de um negócio, o Lavoura Arcaica é pontual a respeito de outro. Agora, se você olha para os documentários, eles ajudam a desmontar o país. A produção documental brasileira contemporânea é notável. Mas o conjunto da produção é mais frágil do que deveria se esperar. Você olha para os filmes argentinos, para a Lucrécia Martel. Não tem nada parecido com os filmes da Lucrécia Martel no cinema de ficção brasileiro. É que a Lucrécia veio de um meio que permitiu amadurecer o cinema dela. O problema do cinema brasileiro não é só dele, é do país. As dificuldades pelas quais ele passa, espelham condições deste país.

Cultura Brasileira

Nós temos um problema de ordem cultural. Na Argentina se lê mais. Só em Buenos Aires há mais livrarias do que no Brasil inteiro. Falta no Brasil uma tradição narrativa e o cinema reflete isso. Tradição de contar histórias. Um lugar em que você encontrava histórias contadas com talento no Brasil, no audiovisual, era na televisão. Mas isso se perdeu também. Falta escola, qualificação profissional em escolas e a produção acaba refletindo isso também.

Vácuo na Produção

Houve um buraco que vem antes da retomada. Por dois anos mais ou menos a produção praticamente zerou. Só que o problema já vinha desde meados dos anos 80. Então você pega quase uma década sem produção regular de filmes. Em cinema, qualidade vem da quantidade, respeitando uma certa proporção. Pergunta para qualquer cineasta. Como você aprende a fazer filmes? Fazendo filmes. O Fernando Meirelles como é que ele fez? Fazendo publicidade. Tem um know-how de set, de saber dirigir ator, ter uma agilidade de pensar onde você põe a câmera, o que você faz com a câmera, que só trabalhando. Então, você tem uma década onde praticamente não se trabalhou. Você interrompe fluxos, fluxos inclusive de amadurecimento dos profissionais.

Indústria Cinematográfica

Se você juntar só essas coisas que eu acabei de dizer, vai olhar para a atividade cinematográfica não como algo profissionalizado, mas como algo irregular, fruto do empenho pessoal de alguém que quer fazer um filme. Mas cinema é indústria. No Brasil é um bando de gente, cada um com seus amigos tentando viabilizar seus filmes. Nesse universo você vai encontrar alguns sujeitos mais talentosos certamente ou sortudos, cujas circunstâncias ajudaram, que estão começando a viabilizar algo que é industrial. Outro problema. Pergunta para qualquer cineasta brasileiro quanto tempo ele gasta pensando no filme e quanto tempo ele gasta visitando diretor de marketing e banco para arrumar dinheiro para o filme? Se você quer trabalhar industrialmente, não pode ser no Brasil. É o único cinema do mundo que quando começa o filme aparece logotipo de empresa.

Formação de Público

Todo país com indústria cinematográfica investe em formação de público. Como você forma público? Fazendo filme infanto-juvenil. Se você tirar Trapalhões, Xuxa, aí nós vamos começar a contar e não vai dar duas mãos. Não há indústria neste país porque não há política de ocupação de médio e longo prazo. Se nosso filme vai ter 1600 espectadores, isto tem uma série de explicações. Mas uma delas é que você não formou público.

Ingressos e Salas

Tinha mais público de cinema no Brasil quando o ingresso era mais barato e tinha mais salas, quando o circuito era mais amplo e chegava mais perto do espectador de filme brasileiro em especial, que são as camadas populares. Quando começaram a desaparecer os cinemas de bairro populares e os de cidade média e pequena, esse público começou a se perder. Aí as salas ficaram concentradas em shopping center com ingressos a 16, 18, 20, 22 reais. Por que o Ministério da Cultura não pode ter uma sala de cinema em São Paulo? Uma sala para 1200 pessoas que só vai passar filme brasileiro de acordo com uma política de exibição. Ingresso a 5 reais. Vamos ver o que acontece?

O Melhor da Produção

Os diretores que se destacam neste período são Eduardo Coutinho, João Moreira Salles, Walter Salles, Fernando Meirelles, Laís Bodansky e Beto Brant. E o Júlio Bressane e Carlos Reichenbach também. E os melhores filmes são desses diretores. Então, eu diria que são Cidade de Deus, Santiago, O Invasor, Lavoura Arcaica e Edifício Master, não, Santo Forte é melhor.

Agosto de 2008