Ponto de vista

Alternativas da crítica na internet

Entrevista com Sérgio Alpendre

Depois de questionar críticos e jornalistas dos dois tradicionais jornais de São Paulo, resolvemos migrar para a internet e entrar em contato com os profissionais que estão por trás dos textos que fazem parte de nossas leituras semanais de crítica de cinema. Fazer crítica independente na internet tem algumas implicações, desde os benefícios de liberdade editorial e descompromisso com os padrões do mercado, até a falta de remuneração deste trabalho. Sérgio Alpendre, crítico das revistas eletrônicas Contracampo e Paisá, nos falou, em um café do Shopping Frei Caneca, sobre as diferenças da crítica no jornal e na internet. Contou também sobre as origens e a dinâmica da Paisá, site em que ele é também editor, e da inviabilidade de se fazer uma versão impressa da revista.

Trajetória

Eu tive um período muito longo de cinefilia antes de começar a ser crítico. Neste época, nem pensava em atuar como um. Eu tinha uma relação pouco intelectual com o cinema, era uma relação muito mais passional, de sentir o filme. Eu até escrevia alguma coisa, meus amigos comentavam que eu tinha muitos conhecimentos e que deveria virar crítico, mas escrevia para mim, para organizar os pensamentos a respeito do que eu assistia. Depois surgiu o convite para escrever na Contracampo, mas nesta época eu tinha uma loja [Sérgio possui uma loja de discos (LPs e Cds), segundo ele mesmo diz, a música é a sua “outra grande paixão”], exercia outra profissão, não estava nessa pegada de escrever profissionalmente ainda. Isso só ocorreu quando montei a Paisá, me afastei da loja e comecei a levar mais a sério, assistindo aos filmes já pensando no que poderia ser escrito. E assim, eu tento unir a paixão com essa atividade de produzir reflexões sobre cinema. Sou formado em Comunicação Social na Faap. Eu ia optar por Cinema, mas foi bem quando o Collor assumiu a presidência e acabou com a Embrafilme e, naquela época, só maluco estudava cinema. Conheço alguns desses malucos e eu acho que eu deveria ter sido um deles também, por que apesar da minha formação, nunca trabalhei como publicitário. O que faço, geralmente, são freelancers de redação ou revisão. E aí entra roteiros e críticas também. Nunca trabalhei com publicidade. Não levo jeito pra coisa.

Projeto revista Paisá

Eu conheci um pessoal do Rio de Janeiro, o Eduardo Valente foi o primeiro, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e voltei a encontrá-los no ano seguinte, em 1998, quando fiquei sabendo do site da Contracampo. Me tornei um leitor assíduo e entrei nas listas de discussão montadas por eles. Fui convidado pelo Eduardo Valente, que agora edita a Cinética. Um amigo meu disse da vontade de fazer uma revista impressa sobre cinema, que era viável comercialmente e tal. Como eu sempre quis fazer uma revista impressa, embarquei na onda. Em 2005, resolvi montar minha própria revista, a Paisá, a número zero foi lançada em novembro do mesmo ano. Posso dizer que a tiragem era de sete mil exemplares. Mas tinha campo para subir para uns 20 mil, se tivéssemos patrocínio para distribuição para todo o Brasil. A versão impressa veio primeiro e o site surgiu depois, pela inviabilidade de uma revista impressa num país onde se lê muito pouco. Tentamos participar dos editais da Lei de Incentivo do MinC e da Petrobras e também patrocínios de empresas diretamente com as agências que trabalhavam com elas, empregando um contato comercial, mas não deu em nada. Eu diria que a Paisá era é uma versão impressa que agregava toda essa turma que foi para a Cinética, Contracampo, Cinequanon. A gente entregava nas bancas próximas da Paulista, e em outros pontos comerciais, como na Praça Panamericana ou no Arteplex, do Rio de Janeiro. A divulgação a gente fazia em listas de discussão, Orkut, essas coisas. Trabalho de formiguinha. Foram 11 números impressos e agora está só na internet.

Cobertura do site Paisá

Na Paisá, normalmente, a gente oferece aos redatores alguns dos filmes em cartaz ou lançados em DVD. Dependendo da proposta do texto a gente escolhe uma delas para ele desenvolver e publicar. Mas, é grande o número de filmes sem ninguém para escrever e, nesses casos, somos eu e meu co-editor que ficamos responsáveis, já que a revista é composta por cerca de 15 pessoas entre colaboradores, editores e redatores, sendo uns oito fixos, ou seja, que escrevem com freqüência. Já os festivais é mais difícil acompanhar, são muitos e em locais diferentes. Eu tenho a oportunidade de acompanhar mais, pois trabalho em casa, como freelancer e assim posso organizar melhor os horários. Mesmo porque é caro viajar para cobrir os festivais e o trabalho da crítica para a internet não é remunerado. Isso ocorre apenas quando são profissionais muito conhecidos ou quando há um grande portal por trás, diferente do que ocorre na Contracampo e na Paisá, em que é tudo pela amizade e pela paixão. São sites independentes mesmo.

Acessos ao site

Eu não costumo confiar muito nesses dados de números de acesso ao site. Isso pode ser enganoso, pois um texto pode estar sendo acessado por várias razões, por um leitor que nunca mais volta ao site, porque um filme teve maior repercussão ou por que houve uma estréia em uma cidade pequena e, então, há muitos acessos desta cidade e depois eles desaparecem. No caso da Paisá, por exemplo, eu sei que em um período de crise, de pouca atualização, os acessos triplicaram quase, sem causa aparente. Não dá para levar muito a sério, por isso é melhor pensar se estamos passando a nossa idéia e conseguindo atingir o nosso público.

O papel da crítica

Acho que a crítica de cinema não deve ditar o que o público deve ver. Eu espero que não seja assim. Tenho amigos que falam que assistiram a um filme por que eu recomendei, até aí tudo bem, mas eu escrevo para a pessoa que viu o filme ler meu texto e dialogar comigo. É o que eu mais gosto e acredito que aconteça o mesmo com todos os meus amigos. Não pretendemos falar “vá ver este filme” e dar os motivos, mas escrevemos para pensar o cinema e como ele dialoga com o mundo, nunca para um mercado, sempre para uma reflexão.

A crítica na internet e no jornal

Acredito que a diferença entre a crítica na internet e a crítica publicada nos jornais está ficando cada vez menor. Quando começou a crítica de filmes na internet, os textos eram enormes, por mais que dissessem que a internet era um lugar de textos curtos, de pouco espaço para a reflexão, já que tudo é mais ágil e rápido. Os textos eram mais intelectualizados, pensavam um pouco mais sobre a linguagem do cinema, diferindo das características daqueles dos jornais, mas agora, com a proliferação de sites sobre isso, eu notei uma aproximação maior desses textos com os de jornal. Com exceção do Estado de S. Paulo, os demais limitaram o tamanho dos textos, por exemplo, de três mil caracteres para mil, ou menos até. Ao mesmo tempo, isso ocorreu na internet e, hoje em dia, os mesmos sites que antes tinham mais espaço estão ficando um pouco mais leves, mas isso é apenas impressão. Além disso, muita gente da geração que começou fazendo críticas de filmes na internet escreve atualmente para grandes veículos também. Por isso está cada vez mais difícil pensar na diferença entre texto de jornal e de internet. Mas vejo um problema nas publicações para a internet. Às vezes, não se impõe um limite de tamanho ao texto e a idéia acaba menor do que o espaço. Por exemplo, na revista na qual eu comecei. A Contracampo, em 2002 ou 2003, acostumou-se a ter textos enormes, com vinte mil caracteres, mas a idéia do autor, mesmo sendo ótima, nem sempre se sustentava e para seguir o padrão, o texto se afogava, ficava redundante ou, até mesmo mal construído. O mais importante, na verdade não é o tamanho, mas a idéia, pois cabe ao editor definir isso. O importante é escrever o texto de acordo com a idéia, sem pensar no resto.

Melhores diretores e filmes

Os melhores diretores eu diria que são o Beto Brant, Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci, que ficou parado por um tempo e o Eduardo Coutinho. Já os filmes são o Serras da Desordem, O Signo do Caos, e portanto, citaria o Sganzerla como diretor também, que já é falecido, mas que também realizou filmes nesta última década. Além disso, Garotas do ABC e Edifício Master, para falar apenas de um dos filmes do Coutinho, acho que é um dos mais significativos de sua carreira.

Cinema brasileiro contemporâneo

Recentemente houve uma discussão que afirmava que o cinema brasileiro vai muito à favela, mas isso não é bem verdade. O que acontece é que justamente as produções sobre este tema chegaram mais ao público. Porém, temos uma vasta produção documental, sobre a classe média e problemas sociais.

Setembro de 2008