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Especial - Debate entre Bruno Barreto e João Moreira Salles desvenda relações entre documentário e ficção

15/08/2008
Debate entre Bruno Barreto e João Moreira Salles

A relação entre Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas, Era Uma vez... de Breno Silveira, e Última Parada 174, de Bruno Barreto, com o cinema documental foi a inspiração para mais um debate da série Encontros Bravo!. Estavam presentes João Gabriel de Lima, editor da revista, como mediador, o repórter André Nigri, autor da reportagem de capa, e os diretores João Moreira Salles e Bruno Barreto.

Bruno Barreto, diretor de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), um dos maiores sucessos de público da história do cinema nacional, e de O Que É Isso, Companheiro? (1997), desenvolveu suas falas a partir do seu mais recente filme, Última Parada 174, ainda não oficialmente lançado. Os espectadores puderam assistir a uma prévia, já que um trecho considerado pelo diretor como o mais emblemático, foi exibido durante o debate para ilustrar a relação entre ficção e documentário. O diretor disse que a idéia do seu filme surgiu de inquietações geradas pelo Ônibus 174 (2002), de José Padilha. A seqüência exibida mostrou a relação de Sandro, seqüestrador do ônibus, e sua mãe de criação. Bruno Barreto afirmou que seu filme fala sobre uma mãe que perdeu um filho e um filho que precisa de uma mãe e que o evento envolvendo o ônibus foi apenas um ponto de partida para contar a história. “Meu filme foi instigado e não inspirado pelo filme de José Padilha.”

João Moreira Salles falou sobre a semelhança entre a estrutura do documentário e do texto literário realista. Para ele, a literatura no Brasil não pauta o debate dos problemas sociais do país e que este papel está sendo desempenhado, hoje, pelo cinema, que está abordando grandes temáticas, como a da violência. O diretor de Santiago (2007) e Notícias de uma Guerra Particular (1999), também observou que historicamente, nas produções nacionais, principalmente no período do Cinema Novo, havia um desejo de sair do estúdio, de colocar os personagens no ambiente em que eles viviam, usando atores não profissionais, mas isso não foi possível nos anos 80 e, principalmente, nos anos 90, com o fechamento da Embrafilme.

Bruno Barreto ainda comentou sobre a importância de filmes como A Casa de Alice (2007), que trabalham temas de âmbito privado e a partir das relações humanas, o que chamou de “violências implícitas”, em contraposição à violência urbana, relacionada ao tráfico de drogas, por exemplo, o que nomeou de “violência explícitas”. Neste mesmo sentido, João Moreira Salles fez uma comparação entre o cinema argentino, mais “sussurrado”, em oposição ao brasileiro, que é mais “alto e gritado”.

Em um dos momentos mais interessantes, João Moreira Salles comentou que a ficção se torna mais rica quando incorpora o que há de mais importante do documentário: a imprevisibilidade. Ele exemplificou isso citando um trecho do filme Diários de Motocicleta (2004), no qual o personagem de Gael Garcia Bernal conversa, no Peru, com pessoas que não sabiam estar dialogando com um ator. O diretor afirmou que “o filme brasileiro que melhor soube fazer isso e, para mim é um dos maiores filmes da história do cinema brasileiro, é o Iracema – Uma Transa Amazônica (1974). Ali você não sabe de fato o que está vendo, um filme de ficção ou um documentário, pois as duas coisas acontecem ao mesmo tempo na tela (...). O procedimento do Jorge Bodanzky foi soltar o Peréio num bar da beira da estrada na Transamazônica e ele começa a falar com as pessoas como se fosse realmente um caminhoneiro. E o filme todo é feito desses acasos”. Desta forma, haveria uma relação quase indistinguível entre documentário e ficção. Segundo o diretor, para que esta relação se configure, é necessário que procedimentos de realização de documentário estejam implícitos no filme de ficção, como por exemplo, o uso de atores não-profissionais, fotografias sem filtros de luz e a recusa do estúdio em favor de locações externas.

O debate foi promovido na Fnac Pinheiros, para o lançamento da Bravo! do mês de agosto, cuja capa discute a ficção que nasce do documentário.